O que evitar, se você quer inovar: aprendizados dos laboratórios

Posted in - Cidadania & Destacadas & innovación pública & Inovação Cidadã @pt-pt & laboratorio ciudadano en Jul 12, 2020 0 Comments

 

Por Pablo Pascale e Mariana Romiti

Os laboratórios  cidadãos ou de governo surgem no século XXI como uma resposta à crise que as instituições públicas tradicionais enfrentam no final do século XX. Emergem como um novo tipo de instituição, renovada, inovadora, distanciada dos princípios e práticas habituais desconectados dos cidadãos e de suas realidades.

Os laboratórios inauguram uma nova forma de trabalho, para a qual não existem manuais. São instituições de tipo experimental, que têm o desafio de colocar em prática uma maneira diferente de exercer a institucionalidade, combinando colaboração, participação, horizontalidade, experimentação, inovação e reconexão com os cidadãos. Em seu curto período de existência, esse caminho de tentativa e erro gera aprendizados muito interessantes, não apenas para os próprios laboratórios, mas também para o conjunto das instituições públicas que desejam inovar.

Demonstram como procedimentos rígidos, concorrência, falta de abertura e hierarquias não são processos ou estruturas que facilitam a criatividade e a inovação nas instituições, muito pelo contrário. E, rapidamente, os laboratórios se tornam numa nova referência para a renovação das instituições tradicionais. 

Já se escreveu bastante sobre laboratórios cidadãos ou de governo, mas descobriremos pouco sobre os obstáculos que aprenderam a evitar. Após projetar, gerenciar e trabalhar com vários laboratórios na Ibero-América (e também em outras regiões), emergem alguns aprendizados comuns, que compartilhamos aqui hoje: 

1- Evitar receitas. Uma coisa é se inspirar, criar modelos, testar e adaptar propostas e outra é replicar sem consideração, reproduzir sem adaptações. E isso se aplica a modelos de gerenciamento ou metodologias. O que funciona em um país não precisa funcionar bem em outro. Mesmo dentro do  país, podemos assistir a diferentes contextos culturais e locais que justificam adaptação. Uma boa medida é que, desde o início, o design do laboratório seja participativo com agentes locais. Já nesse momento surgirão as adaptações a serem incorporadas.

2- Evitar criar equipes homogêneas. Demonstrou-se que equipes homogêneas prejudicam o trabalho criativo, enquanto que equipes heterogêneas em termos de gênero, etnia e disciplina são facilitadoras da criatividade. Os laboratórios trabalham intensivamente com criatividade, inovação e experimentação, e é por isso que equipes heterogêneas mostram maior eficiência. Em algumas ocasiões, observamos que os laboratórios são criados com base em equipamentos compostos principalmente por pessoas com o mesmo perfil disciplinar, por exemplo tecnológico. Embora inicialmente isso reúna a equipe em torno de um interesse compartilhado, a médio e longo prazo mostra fraqueza na conexão com outras áreas da institucionalidade ou com diferentes setores da cidadania.

3- Evitar a lua de mel eterna. Em todas as fases iniciais da criação e instalação de um laboratório, há uma paixão inevitável pelo projeto. Isso injeta motivação à equipe e um certo sentido épico, pelo fato de estarem inaugurando um novo tipo de instituição, algo inovador e disruptivo. Manter essa condição por muito tempo pode impedir que o projeto entre nas próximas fases de sua evolução. A paixão eternizada poderia ser interpretada como uma maneira de mascarar a aversão ao risco de assumir novos desafios. Deixar de avançar para as transformações necessárias para a evolução do projeto pode levar à irrelevância do laboratório e, em alguns casos, ao seu possível desaparecimento. Embarcar em novos desafios gerará novas motivações.

4- Evitar a personalização da liderança. Quando o foco está em uma pessoa como líder do laboratório, a comunidade se afasta. Os laboratórios são novas formas de instituição, que trabalham com comunidades (grupos sociais ou funcionários públicos), e são eles que devem ter o papel principal. Por esse motivo, os laboratórios exigem um tipo de liderança que poderíamos chamar de distributiva, em oposição à liderança centralizada, mais comum nas instituições tradicionais e que concentra o foco de liderança em uma pessoa ou na própria instituição. Pelo contrário, a liderança distributiva, que consegue trabalhar a dinâmica de distribuição do protagonismo, acaba gerando uma maior apropriação pela comunidade, e essa é a melhor coisa que um laboratório pode fazer. 

5- Evitar conversar apenas com convertidos. A comunicação é uma ferramenta fundamental em um laboratório e nem sempre é bem utilizada. Sendo uma instituição nova e diferente, é essencial comunicar claramente o que é, o que faz, e como faz. Durante suas fases iniciais, é comum num projeto inovador trabalhar mais confortavelmente com a lógica de nicho entre pessoas e comunidades relacionadas que já conhecem o conceito. Porém, à medida que o laboratório evolui da fase inicial de fundação, é importante exercitar o compartilhamento e a integração daqueles que não fazem parte do nicho por meio da comunicação. O que não é comunicado, não é conhecido, o que não é conhecido, não é valorizado e o que não é valorizado não obtém recursos.

6- Evitar o sofá burocrático. Os laboratórios são instituições experimentais que, se eles se tornam excessivamente burocráticos, perdem sua eficácia. Experimentar e inovar é um processo que consome muita energia, ao mesmo tempo em que impõe riscos sob a forma de desafios constantes. É possível que alguns laboratórios, depois de um tempo, sejam tentados a buscar uma condição de relaxamento, o que chamamos de sofá burocrático. É compreensível que no processo de maturação de um laboratório sejam desenvolvidos procedimentos que sistematizem sua operação, mas é importante que isso não afete o núcleo experimental que deve sempre ser mantido ativo.

7- Evitar ser uma ferramenta de marketing político. Os laboratórios, sejam eles de governo ou cidadãos, concentram-se em experimentar soluções inovadoras. Por esse motivo, é muito importante que, como outras instituições públicas, eles sejam claros sobre seu raio de ação e seus objetivos. O fato de trabalhar em contato contínuo com as comunidades pode gerar a tentação de mudar para uma ferramenta de comunicação ou marketing político. Se isso acontecer, é muito provável que o laboratório perca a legitimidade gerada em suas comunidades e defina sua própria data de vencimento assim que a administração do governo mudar.

8- Evitar inovação como sinônimo de tecnologia. Muitas instituições, na tentativa de se renovar, recorrem apenas à incorporação de tecnologias digitais ou eletrônicas como sinônimo de inovação. A realidade é que essas tecnologias devem ser incorporadas se forem a melhor maneira de resolver um problema, mas não são necessariamente as mais apropriadas para tudo. Atualmente, os processos de inovação institucional envolvem uma nova maneira de conceber e gerenciar as instituições, por exemplo, de abri-las através de processos de colaboração, participação e experimentação. A tecnologia pode, em alguns casos, facilitar esses processos. Mas os laboratórios aprenderam que a verdadeira inovação nas instituições envolve os cidadãos.

 

Os 8 aprendizados compartilhados aqui não são apenas para os laboratórios emergentes, mas também para o conjunto de instituições públicas que pretendem inovar.

O futuro de nossas sociedades depende, em grande parte, da capacidade das instituições de se renovar, se reconectar com seu povo e gerar inovações sustentáveis ​​e inclusivas.

Embora, para isso, não existam manuais ou receitas, atualmente nossas instituições têm a referência mais avançada em inovação institucional nos laboratórios ibero-americanos de governos e cidadãos.

 

Serie: Agenda da Inovação Pública nº3

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