O QUÊ APRENDEMOS NA COLÔMBIA

por Raúl Oliván
Fomos mais de cem pessoas as que participamos e convivemos no Laboratório de Inovação Cidadã (LABICCO), que a SEGIB organizou, no contexto da Cúpula de Chefes de Estado de Cartagena de Índias (Colômbia). Foram desenvolvidas muitas mesas redondas, mesas de trabalho e oficinas. E o mais importante: durante duas semanas, onze projetos de inovação social foram implementados, até o nível de protótipo, e alguns, inclusive até chegar a ser um produto mínimo viável que garante sua sustentabilidade no futuro. Minha experiência como mentor de vários desses projetos foi incrível. Estive em Veracruz e no Rio de Janeiro, mas nunca antes vivi o processo completo.
Chegando ao final do laboratório, a dois dias de que se apresentem os onze projetos, e com o desejo de que as emoções não escapem de mim quando voltar para casa, – da qual, aliás, também sinto saudades, muitíssimas, – quero plasmar algumas destas sensações, sobre o que considero ser o tema mais importante, mas, ao fim de tudo: o quê aprendemos na Colômbia?
Como a própria dinâmica do laboratório, a pergunta não pode ser respondida com uma resposta unívoca. O laboratório é um viveiro de comunidades, uma aceleradora de afetos, uma fábrica de abundância, um jogo de tentativas e de divergências construtivas. E é também um relato coral. Poliédrico. Uma viagem de ida e volta, tecido a partir de pequenas épicas cotidianas.
Como a de Gabriel de Santa Fe, Argentina, um engenheiro que a seus 35 anos subiu, pela primeira vez, em um avião, obrigado pela sua mulher, que tinha tido um bebê faz bem pouco, porque o laboratório era uma oportunidade vital que não podiam deixar escapar. Esteve prototipando junto a uma equipe excepcional Cidade Minha, um projeto de sinalética inclusiva nas cidades, a partir de um cimento condutivo e um novo sistema de codificação, que ajudará as pessoas com deficiências sensoriais a se moverem por essas florestas de obstáculos que são as ruas da América Latina.
Ou como Siro, o arquiteto estremenho que deixou sua cidadezinha para participar em projetos de arquitetura expandida nos populosos bairros de Bogotá, montando um cinema para a comunidade, e que não lhe bastando com isso, acabou envolvido no projeto Trópico, junto a Karen, Francesco, Nicole, Ana… Trópico impulsionou um modelo de Fabricação colaborativa baseado em economia circular, e o fez praticando uma máxima dos laboratórios: aprender – fazendo. Porque bem longe da teoria, a equipe de Trópico esteve todos estes dias trabalhando sobre o terreno, cooperando na reconstrução de uma comuna no Setor Olaya Herrera, no bairro de Playa Blanca, na mesma Cartagena. Amanhã inauguram todos juntos. Será uma honra poder estar com eles. Quando forem embora não só deixarão uns móveis feitos com paletes e seus planos em código aberto, senão todo um roteiro para fazer circular o processo e que ele seja sustentável. Aqui e em qualquer parte do mundo, onde houver resíduos e energia social para reutilizá-los.
Estou pensando também em Margarita e Johana que impulsionaram Museu Viajante, um projeto para transbordar as grossas paredes do Museu Nacional da Colômbia, uma dessas instituições representativas da política cultural do século XIX. Desde o departamento de didática inclusiva, acostumadas a trabalhar na lateralidade das estruturas, obrigadas a pensar como hackers desde dentro para subverter as barreiras que as pessoas com deficiências possuem no museu, foram muito mais além no dia em que, contracorrente, decidiram se inscrever no Laboratório e começaram a co-desenhar o projeto com outras 9 pessoas e com os próprios coletivos envolvidos. Às vezes a revolução se resume em um pequeno gesto. Botar a cabeça para fora e escutar. Por exemplo.
Outros caminham a outras velocidades. Todos são necessários. Como Adriano Belisário, o jornalista do Rio de Janeiro que montou Agrega.la no Brasil, uma plataforma de comunicação e jornalismo cidadão, que articula uma alternativa informativa em um país onde os grandes media, agrupados em oligopólio, ostentam um poder imenso. Adriano, durante o laboratório, esteve impulsionando Agrega.la no caribe colombiano. Com ele trabalharam gente maravilhosa como Kuri, a desenhista peruana de origem japonês, que acabou colaborado com muitos outros grupos; ou Sara, a jornalista espanhola que, por sorte, ainda acredita na profissão e se foi em busca de uma boa história, entrevistando um guerrilheiro desmobilizado.
Impossível citar todos, impossível não citar Luis Hernando, e sua dedicada equipe como Rosa Cristina, ativista digital colombiana, Naomi ou moça Linux como a chamam seus amigos, o especialista em Open Street Map Carlos Felipe, ou Alejandro, um dos melhores infógrafos da Colômbia que trabalha para o jornal o Tempo. Eles e vários mais desenharam Kitum (KIT humanitário) um portal para canalizar a força do voluntariado na gestão de desastres. Luis Hernando era um homem de ação, um paraquedista humanitário especialista em coordenação ágil de estratégias em zonas de desastre. Foi um desafio para ele trabalhar com a equipe, porque costumava ser um lobo solitário. Mas tem todo jeito de que o resultado vai ser uma ferramenta muito útil que vai ajudar milhares de pessoas.
Também não posso esquecer de Rafa Cortés, o pequeno Cuartielles de Veracruz (por meu conterrâneo David Cuartielles, co-inventor de Arduino) que aos seus 21 anos já é veterano dos laboratórios e esteve em todos eles. Quando o conheci tinha 19 anos e já se via que seria assim. É um prodígio ao que não importou servir hamburguers para viajar a Silicon Valley ou o MIT. Neste tempo criou Verse Technology, com 18 empregados, que acaba de lançar a Goblin2, sua própria placa de hardware livre pensada para a indústria. Rafa formava parte de Marimba Inclusiva, um projeto apresentado por Daniel de Cali, no qual produziram um instrumento de percussão, a marimba típica do pacífico colombiano, adaptada a pessoas surdas ou cegas. Um sistema de luzes e vibradores que ensina, além do mais, a usar a marimba como se fosse o Guitar Hero (o jogo da Play Station) . O dia em que Luz Enit a testou, a única participante do laboratório surda cega, foi impossível não compartilhar seu sorriso e sua emoção.
A única contraindicação em participar em uma experiência assim, de compartilhar um par de semanas com gente como as que descrevo, é não poder levá-los para casa, para Saragoça. Assim como levaria toda a equipe de Gente Fonte, os desenhistas, sociólogos e tipógrafos que digitalizaram e fizeram material didático, para a comunidade wounaan, composta por 7000 pessoas no Panamá e na Colômbia, e que até hoje não tinha forma de expressar-se em sua língua em um email ou no muro do Facebook. Um projeto lindo.
Ou como Gabriel e Raissa, que levaram o furgão de seu projeto Itinerâncias até o laboratório, e impulsionaram o projeto Co.Madre, uma Wikipédia visual das mulheres invisíveis. Ou como Sebastián, Roberto ou Jorge, alguns dos membros de Equador Solidário, que estão dedicados na construção de um portal de Crowd Donation (Doação de material entre particulares, como tijolos, eletrodomésticos, móveis…) um modelo inédito no mundo e que teria servido muitíssimo para Pablo, convidado pela equipe, um sobrevivente do terremoto do Equador deste ano, resgatado com vida, milagrosamente, entre os escombros.
Há muitíssimos mais que não consigo citar, muitos, inclusive, que quase não tive tempo de conhecer, mas foram todos eles os que construíram este relato coral que são os laboratórios de inovação cidadã. Talvez a melhor reencarnação daquele sonho de humanismo e emancipação que foi a Instituição Livre de Ensino. Um crisol de personagens cheios de talento e afetos que, por cotidianamente excepcionais, a gente poderia encontrar em qualquer novela do realismo mágico.
O que aprendemos, não alcanço ainda poder resumi-lo, mas sei que aprendemos entre todos.
Fotografía: Andrés “Wao” Mosquera
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